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BRAZILIAN JOURNAL OF EMERGENCY MEDICINE   VOLUME 02 | NÚMERO 2 / 2-9


         Com base em um estudo de 2020 realizado em um         Em geral, o estado hemodinâmico após manobras de
         centro de trauma na Turquia , observou-se uma redução   ressuscitação inicial é determinante para estratificar o
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         no número de cirurgias de emergência como um todo     risco de pacientes com indicação de cirurgia imediata .
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         quando comparado ao mesmo período do ano anterior.    Com isso, é possível definir a terapêutica mais adequada
         Em relação às emergências hepatobiliares, a colecistite   para o contexto, pesando a condição clínica do paciente,
         aguda apresentou a maior variação, com diminuição de   a disponibilidade de insumos necessários à internação
         47,3%. Essa redução no número de admissões pode ser   e a exposição da equipe profissional.
         explicada tanto pela menor procura, devido ao medo    Nos casos de colecistite aguda, as restrições relacionadas
         pelo contágio, quanto pela maior adesão do manejo não   a COVID-19 podem apontar para o manejo da infecção
         cirúrgico, com antibióticos intravenosos e analgésicos,   com antibióticos, analgésicos intravenosos e adiamento
         nos casos que possuem indicação.
                                                               da cirurgia como solução mais apropriada para o contexto,
         Já a diminuição referente à apendicite não complicada e à   apesar da tradicional recomendação de cirurgia precoce.
         colecistite aguda pode ser explicada pelo maior emprego   Esta, por outro lado, está associada à internação hospitalar
         de tratamento com antibióticos, utilizado durante a   mais curta, vantagem percebida por diversos ensaios
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         pandemia como alternativa à resolução cirúrgica, a qual   randomizados e controlados .
         demanda mais recursos hospitalares e humanos. Embora   Quanto à diverticulite aguda não complicada, indica-se
         a cirurgia laparoscópica seja o tratamento padrão-ouro   tratamento não-operatório com antibióticos intravenosos.
         para apendicite não complicada e colecistite aguda, a   No entanto, a depender do quadro, pode ser necessária
         antibioticoterapia constitui uma opção válida 22,23 . Outro   drenagem percutânea ou cirurgia para os pacientes com
         trabalho  corrobora esta compreensão, ao concluir que as   peritonite generalizada, sinais de sepse ou choque. Nesses
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         admissões por apendicite aguda diminuíram 40% durante   casos, a sigmoidectomia de emergência por laparoscopia
         o período de pandemia devido à possível recuperação de   deve ser evitada por conta do risco de aerossolização .
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         casos leves com tratamento sintomático em casa.
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         O tratamento não-operatório da apendicite, apesar de aumentar   manejo não-operatório já deve ser sempre a abordagem
         a chance de recorrência da doença em até 39%, não interfere   de escolha para pacientes que não apresentem peritonite,
         no risco de perfuração; assim, trata-se de uma estratégia segura   estrangulamento ou isquemia intestinal ; apresenta eficácia
                                                                                               19
         e eficiente a curto prazo em casos selecionados  para evitar   de aproximadamente 70-90% .
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         a sobrecarga dos hospitais em meio à pandemia. Aqueles
         pacientes que, no entanto, não obtiverem sucesso com o   Os pacientes que não obtiverem sucesso com o tratamento
         tratamento não-operatório devem ser encaminhados para a   não-operatório para uma condição cirúrgica ou que
         cirurgia, bem como os que já têm o quadro de apendicite   apresentem instabilidade hemodinâmica devem ser
         complicada, com abscesso na fossa ilíaca direita ou com   considerados para cirurgia, sendo a laparoscopia o
         evidência de perfuração, podendo se optar também pela   procedimento de escolha sempre que possível, tomadas
         drenagem percutânea, a depender do seu estado clínico. 22  as devidas medidas de prevenção à transmissão do vírus,
                                                               presente no pneumoperitônio . Dentre as vantagens
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         Notou-se então um aumento na taxa de cirurgias para   estão um menor tempo de internação e um menor
         apendicite complicada, bem como na taxa de mortalidade   risco de complicações no pós-operatório. Evitando-se
         em pacientes operados de emergência no período de     uma internação mais prolongada, a gestão dos recursos
         pandemia, o que pode se justificar pelo atraso na admissão   hospitalares na pandemia de COVID-19 é favorecida.
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         aos hospitais . Como consequência, ocorre o atraso no
         tratamento, relatado em mais de 40% das emergências   Nos casos em que o tratamento falha ou que existe clara
         abdominais não traumáticas neste período, segundo estudo   indicação de cirurgia, como instabilidade hemodinâmica,
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         multicêntrico . No entanto, as cirurgias de emergência   os pacientes devem ser encaminhados para a cirurgia. As
         realizadas por trauma, perfuração e isquemia mesentérica   cirurgias de pacientes com COVID-19 devem ser realizadas
         não foram afetadas pela pandemia, o que sugere que    da mesma forma, porém com cuidados adicionais para
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         os pacientes que realmente precisam de cirurgia de    evitar a disseminação do vírus : deve ser realizada TC antes
         emergência são encaminhados ao hospital .             da operação; realizar manejo não cirúrgico de pacientes
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                                                               infectados estáveis, visando adiar a cirurgia até que diminua
         A classificação da infecção intra-abdominal como      o risco de infecção; devem existir enfermarias, elevadores
         não complicada, quando envolve somente o órgão        e salas de operação destinadas para infectados; as salas de
         acometido, ou complicada, quando há também            operação devem ter pressão negativa; a equipe dentro da
         acometimento do peritônio, com peritonite localizada   sala deve ser limitada ao essencial e o fluxo de entrada e
         ou difusa, permite que seja realizada uma triagem dos   saída deve ser evitado; abordagem preferencialmente pela
         pacientes que chegam aos hospitais, a qual é essencial   via laparoscópica, que propicia uma barreira adicional entre
         para a avaliação da gravidade da doença em questão.   o paciente e a equipe presente na sala da operação.


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