Page 12 - REBRAME - Revista Brasileira de Medicina de Emergência
P. 12
BRAZILIAN JOURNAL OF EMERGENCY MEDICINE VOLUME 02 | NÚMERO 2 / 2-9
Com base em um estudo de 2020 realizado em um Em geral, o estado hemodinâmico após manobras de
centro de trauma na Turquia , observou-se uma redução ressuscitação inicial é determinante para estratificar o
20
no número de cirurgias de emergência como um todo risco de pacientes com indicação de cirurgia imediata .
19
quando comparado ao mesmo período do ano anterior. Com isso, é possível definir a terapêutica mais adequada
Em relação às emergências hepatobiliares, a colecistite para o contexto, pesando a condição clínica do paciente,
aguda apresentou a maior variação, com diminuição de a disponibilidade de insumos necessários à internação
47,3%. Essa redução no número de admissões pode ser e a exposição da equipe profissional.
explicada tanto pela menor procura, devido ao medo Nos casos de colecistite aguda, as restrições relacionadas
pelo contágio, quanto pela maior adesão do manejo não a COVID-19 podem apontar para o manejo da infecção
cirúrgico, com antibióticos intravenosos e analgésicos, com antibióticos, analgésicos intravenosos e adiamento
nos casos que possuem indicação.
da cirurgia como solução mais apropriada para o contexto,
Já a diminuição referente à apendicite não complicada e à apesar da tradicional recomendação de cirurgia precoce.
colecistite aguda pode ser explicada pelo maior emprego Esta, por outro lado, está associada à internação hospitalar
de tratamento com antibióticos, utilizado durante a mais curta, vantagem percebida por diversos ensaios
19
pandemia como alternativa à resolução cirúrgica, a qual randomizados e controlados .
demanda mais recursos hospitalares e humanos. Embora Quanto à diverticulite aguda não complicada, indica-se
a cirurgia laparoscópica seja o tratamento padrão-ouro tratamento não-operatório com antibióticos intravenosos.
para apendicite não complicada e colecistite aguda, a No entanto, a depender do quadro, pode ser necessária
antibioticoterapia constitui uma opção válida 22,23 . Outro drenagem percutânea ou cirurgia para os pacientes com
trabalho corrobora esta compreensão, ao concluir que as peritonite generalizada, sinais de sepse ou choque. Nesses
24
admissões por apendicite aguda diminuíram 40% durante casos, a sigmoidectomia de emergência por laparoscopia
o período de pandemia devido à possível recuperação de deve ser evitada por conta do risco de aerossolização .
19
casos leves com tratamento sintomático em casa.
Em relação à obstrução adesiva do intestino delgado, o
O tratamento não-operatório da apendicite, apesar de aumentar manejo não-operatório já deve ser sempre a abordagem
a chance de recorrência da doença em até 39%, não interfere de escolha para pacientes que não apresentem peritonite,
no risco de perfuração; assim, trata-se de uma estratégia segura estrangulamento ou isquemia intestinal ; apresenta eficácia
19
e eficiente a curto prazo em casos selecionados para evitar de aproximadamente 70-90% .
22
26
a sobrecarga dos hospitais em meio à pandemia. Aqueles
pacientes que, no entanto, não obtiverem sucesso com o Os pacientes que não obtiverem sucesso com o tratamento
tratamento não-operatório devem ser encaminhados para a não-operatório para uma condição cirúrgica ou que
cirurgia, bem como os que já têm o quadro de apendicite apresentem instabilidade hemodinâmica devem ser
complicada, com abscesso na fossa ilíaca direita ou com considerados para cirurgia, sendo a laparoscopia o
evidência de perfuração, podendo se optar também pela procedimento de escolha sempre que possível, tomadas
drenagem percutânea, a depender do seu estado clínico. 22 as devidas medidas de prevenção à transmissão do vírus,
presente no pneumoperitônio . Dentre as vantagens
27
Notou-se então um aumento na taxa de cirurgias para estão um menor tempo de internação e um menor
apendicite complicada, bem como na taxa de mortalidade risco de complicações no pós-operatório. Evitando-se
em pacientes operados de emergência no período de uma internação mais prolongada, a gestão dos recursos
pandemia, o que pode se justificar pelo atraso na admissão hospitalares na pandemia de COVID-19 é favorecida.
20
aos hospitais . Como consequência, ocorre o atraso no
tratamento, relatado em mais de 40% das emergências Nos casos em que o tratamento falha ou que existe clara
abdominais não traumáticas neste período, segundo estudo indicação de cirurgia, como instabilidade hemodinâmica,
8
multicêntrico . No entanto, as cirurgias de emergência os pacientes devem ser encaminhados para a cirurgia. As
realizadas por trauma, perfuração e isquemia mesentérica cirurgias de pacientes com COVID-19 devem ser realizadas
não foram afetadas pela pandemia, o que sugere que da mesma forma, porém com cuidados adicionais para
11
os pacientes que realmente precisam de cirurgia de evitar a disseminação do vírus : deve ser realizada TC antes
emergência são encaminhados ao hospital . da operação; realizar manejo não cirúrgico de pacientes
20
infectados estáveis, visando adiar a cirurgia até que diminua
A classificação da infecção intra-abdominal como o risco de infecção; devem existir enfermarias, elevadores
não complicada, quando envolve somente o órgão e salas de operação destinadas para infectados; as salas de
acometido, ou complicada, quando há também operação devem ter pressão negativa; a equipe dentro da
acometimento do peritônio, com peritonite localizada sala deve ser limitada ao essencial e o fluxo de entrada e
ou difusa, permite que seja realizada uma triagem dos saída deve ser evitado; abordagem preferencialmente pela
pacientes que chegam aos hospitais, a qual é essencial via laparoscópica, que propicia uma barreira adicional entre
para a avaliação da gravidade da doença em questão. o paciente e a equipe presente na sala da operação.
7 | REBRAME | REVISTA BRASILEIRA DE MEDICINA DE EMERGÊNCIA